Portugal: a revolução impossível
“Personagens e acontecimentos
empurram-se literalmente uns aos outros para fora das páginas. As imagens
ficam, desordenadas, como um arrebol. A intoxicação e a euforia das primeiras
semanas. A política na primeira pessoa. As multidões nas ruas. Civis escalando
tanques e carros blindados. A atmosfera dos grandes dias: o 1º de Maio e o 28
de Setembro de 1974; o 11 de Março de 1975. Greves e ocupações. As declarações
de pessoas em luta amarga na sua ansiedade pelas coisas fundamentais pareciam
um eco do trovão do Manifesto Comunista. Os estivadores de Lisboa falando de
uma “total remodelação da sociedade”, de uma luta que teria de ser travada “fora
dos sindicatos”, dado o total envolvimento desses organismos nas iniquidades do
anterior regime. A poesia pura de alguns documentos de trabalhadores agrícolas
perguntando o que vai acontecer “agora que acabou o tempo da sementeira e as
azeitonas foram apanhadas”. As comissões de rendeiros. A luta não recuperável
dos que estão mesmo fundo da escala social, os moradores dos bairros de lata,
em nome dos quais ninguém teve a audácia de proclamar que falava. Motoristas de
táxis querendo que o Instituto de Reorganização Agrária ocupasse os táxis que
conduziam. A Revolução criando os seus próprios precedentes surrealistas. O Segundo
Congresso dos Conselhos, no Instituto Superior Técnico de Lisboa, encerrando
com os leninistas modernos a sonhar com Smolny e Putilov, por entre o
equipamento da televisão moderna. Turistas revolucionários e os seus problemas.
Militares convidando civis para o Quartel do RASP para uma semana de festa,
canções e orgia… de discussões políticas. As aparentemente intermináveis dores
de parto que só deram origem a um nado-morto.
Algumas lições se podem tirar da experiência portuguesa ,
lições que ultrapassam fronteiras de Portugal. A principal, creio eu, é que nas
futuras revoltas os revolucionários tradicionais demonstrarão fazer “parte do
problema e não parte da solução”.
É o risco de sublevações radicais
genuínas serem desviadas para vias de capitalismo de estado. É o perigo de que
qualquer nova criação (no domínio das ideias, relações ou instituições) seja
imediatamente agarrada, penetrada, colonizada, manipulada – e finalmente
deformada – por hordas de “revolucionários
profissionais” sedentos de poder, parteiras do capitalismo de estado e
muito mais perigosos porque envoltos na bandeira vermelha.
Porque
é que o processo revolucionário não se desenvolveu mais Portugal? Surge
uma importante revolução social quando um grande número de pessoas
procura uma modificação total das condições da sua existência.
Grandes pressões se tinham formado dentro de Portugal salazarista. Mas
os objectivos dessas oposições à velha sociedade eram díspares."