segunda-feira, 21 de abril de 2014



Portugal: a revolução impossível

“Personagens e acontecimentos empurram-se literalmente uns aos outros para fora das páginas. As imagens ficam, desordenadas, como um arrebol. A intoxicação e a euforia das primeiras semanas. A política na primeira pessoa. As multidões nas ruas. Civis escalando tanques e carros blindados. A atmosfera dos grandes dias: o 1º de Maio e o 28 de Setembro de 1974; o 11 de Março de 1975. Greves e ocupações. As declarações de pessoas em luta amarga na sua ansiedade pelas coisas fundamentais pareciam um eco do trovão do Manifesto Comunista. Os estivadores de Lisboa falando de uma “total remodelação da sociedade”, de uma luta que teria de ser travada “fora dos sindicatos”, dado o total envolvimento desses organismos nas iniquidades do anterior regime. A poesia pura de alguns documentos de trabalhadores agrícolas perguntando o que vai acontecer “agora que acabou o tempo da sementeira e as azeitonas foram apanhadas”. As comissões de rendeiros. A luta não recuperável dos que estão mesmo fundo da escala social, os moradores dos bairros de lata, em nome dos quais ninguém teve a audácia de proclamar que falava. Motoristas de táxis querendo que o Instituto de Reorganização Agrária ocupasse os táxis que conduziam. A Revolução criando os seus próprios precedentes surrealistas. O Segundo Congresso dos Conselhos, no Instituto Superior Técnico de Lisboa, encerrando com os leninistas modernos a sonhar com Smolny e Putilov, por entre o equipamento da televisão moderna. Turistas revolucionários e os seus problemas. Militares convidando civis para o Quartel do RASP para uma semana de festa, canções e orgia… de discussões políticas. As aparentemente intermináveis dores de parto que só deram origem a um nado-morto. 

Algumas lições se podem tirar da experiência portuguesa , lições que ultrapassam fronteiras de Portugal. A principal, creio eu, é que nas futuras revoltas os revolucionários tradicionais demonstrarão fazer “parte do problema e não parte da solução”.

É o risco de sublevações radicais genuínas serem desviadas para vias de capitalismo de estado. É o perigo de que qualquer nova criação (no domínio das ideias, relações ou instituições) seja imediatamente agarrada, penetrada, colonizada, manipulada – e finalmente deformada – por hordas de “revolucionários  profissionais” sedentos de poder, parteiras do capitalismo de estado e muito mais perigosos porque envoltos na bandeira vermelha.

Porque é que o processo revolucionário não se desenvolveu mais Portugal? Surge uma importante revolução social quando um grande número de pessoas procura uma modificação total das condições da sua existência.
Grandes pressões se tinham formado dentro de Portugal salazarista. Mas os objectivos dessas oposições à velha sociedade eram díspares."